Imagem original: Brutamor
Atualmente, o vermelho e suas nuances remetem ao universo feminino quase que instantaneamente, basta reparar nas embalagens de produtos para mulheres ou nos buquês de flores, associados ao estereotipado universo feminino pela publicidade. No entanto, ele imperou como a cor simbólica da energia masculina – o vermelho ativo, positivo, quente e agressivo, em oposição ao azul feminino, suave, delicado e imaterial.
Já falamos em Azul 2/3 que esse padrão simbólico não diz respeito ao gênero nem a orientação sexual, pois se trata de uma característica que todos nós temos, em maior ou menor evidência. É sempre interessante buscarmos assimilar a energia ou poder de expressão que cores, formas e elementos carregam e usar tudo isso em nosso favor.
Hoje, se perguntarmos quais são as cores masculinas, o vermelho dificilmente será relacionado pela maioria. É que aquela história inventada de que o azul bebê é a cor de menino, “pegou” tanto, que se cristalizou em nosso imaginário, forçado, é claro pela Indústria, e a gente compra essa ideia até hoje, mesmo sem saber por quê. Em compensação, o vermelho, matiz de origem do rosa – feminino, ficou por oposição ao azul, caracterizado com a cor de mulher. Veja em Azul 2/3.
Um bom motivo para associarmos o vermelho ao feminino é o próprio sangue da menstruação, mais escuro. Enquanto o vermelho masculino é o mais luminoso, o da carne.
Mas essa diferenciação não fui eu que criei! Obviamente que a Igreja Católica faria distinção do sangue masculino – “sagrado”, representado pelo sangue de Cristo e do Espírito Santo – e o sangue feminino – “impuro”. Este, aliás, é assim considerado até hoje em certas culturas e práticas religiosas. Na Índia, por exemplo, a mulher menstruada não pode cozinhar, por estar em um período “sujo”, “impuro”. Já, em culturas cujas religiões tinham uma abordagem próxima a natureza, o sangue menstrual era bem visto, e usado como símbolo do poder feminino para fertilizar a terra.
Embora estejamos no XXI, a relação com a menstruação em muitos lugares permanece sendo um tabu, pois é fruto de muitos preconceitos, desinformação e machismo.
Do luxo à luxúria feminina
É inegável que o vermelho carrega consigo uma carga sensual e sexual muito grande, pois evoca nossos instintos e reações imediatas. Ele é puro excitante – estimula o sistema nervoso (responsável pelo nosso sinal de alerta, ataque e defesa), elevando a pressão arterial e frequência cardíaca. A pela corada de vergonha, de cólera ou de prazer demonstra bem isso.
É curioso perceber que o luxo produziu figuras e representações poderosas que personificaram o pecado da luxúria. O vermelho, representante de toda possível de ostentação desde a Antiguidade, também era símbolo dos perigos não só físicos como “morais”.
O teor sensual produzido pelo vermelho também esteve ligado à erotização e marginalização da mulher, afinal, éramos/ somos “descendentes de Eva”, a pecadora número 1! O corpo feminino sempre foi objeto de desejo dos homens. Esse foi visto além de tudo, como símbolo da tentação da carne pelo diabo, uma verdadeira ferramenta do mal. Tal pensamento foi tão enraizado, especialmente na Idade Média, que ser ruiva na Espanha, por exemplo, era imoral.
Ao vermelho foi atribuída à cor típica das “mulheres da vida”. E aqui as figuras de rainhas eram usadas como referência para o imaginário popular e religioso das pecaminosas. Não por acaso, o vermelho e o violeta criam uma combinação considerada sedutora, de grande apelo erótico. As rainhas eram perfeitas para isso, pois se vestiam com tais cores e eram adornadas de forma extravagante, com muito ouro (o que também era falsamente condenado pela Igreja). Embora a luxúria não fosse cometida apenas pelos mais abastados, ela foi representada com a cara da riqueza!
Após a era trevosa e obscurantista, certas qualidades do vermelho voltam a ser abordadas com mais espaço, como signo de saúde e sorte. A ele foram relacionadas superstições de que ao usar algum elemento vermelho, este podia nos trazer sorte, saúde e proteção contra mau olhado. Isso é cultivado até hoje, com traduções como a de presentear recém-nascidos com sapatinhos ou touquinhas vermelhas.
Na China, por exemplo, o vermelho sempre teve uma conotação positiva, indicadora de sorte, prosperidade e abundância. Embora por lá ele fosse a cor representante do masculino, as noivas, por tradição, se casam usando vermelho, porque ele também é a cor da sorte, felicidade e prosperidade.
Batom vermelho, signo do poder feminino
Há estudos extremamente aprofundados a respeito da origem e uso do batom. Há indícios de que o ele (não especificamente o vermelho) tenha surgido na Mesopotâmia. Durante a Idade Média ele foi proibido pela igreja por ser considerado… adivinhem?! Coisa do diabo… por alterar a “criação Divina”.
Rouge ou carmim era o cosmético vindo das cochonilhas, usado nas maçãs do rosto para deixá-lo mais corado, com aspecto saudável, jovem e vigoroso. Também foi usado como batom. Essa maquiagem também era aplicada no colo durante o Renascimento, para realçar a região, exposta pelos generosos decotes.
E, no que se refere ao batom especificamente vermelho, ele se destaca na história quando a Rainha Elizabeth I (sec. XVI) lançou a ousada “moda” da pele mega empalidecida e os lábios pintados de vermelho. Até então, isso só era praticado, pelo que se conhece, por atores de teatro e cortesãs.
Sua composição variava a cera de abelha, óleos vegetais e pigmentos vermelhos de plantas e insetos, caminhando ao longo dos séculos XVIII e XIX para composições a base de chumbo, portanto, nocivas à saúde.
O primeiro batom comercial foi vendido em 1884, em Paris, mas sua teatralidade não era bem vista pelos mais conservadores. Camuflar a aparência era algo muito negativo e levado a sério, sendo esse motivo para anulação de casamentos no século 18 (imagina os filtros de aplicativos de hoje em dia kkkk). Só a partir de 1890 é que o batom ganhou um aspecto mais natural, devido à composição a base de cera e óleo vegetal.
No século XX, ele ganha aderência nos EUA, pois passam a ser popularizado com as propagandas de revistas com o desenvolvimento de cosméticos por mulheres empreendedoras. Em 1910, o batom vermelho é usado como símbolo de causas feministas, na luta pela emancipação das mulheres na passeata pelo sufrágio, ocorrida em Nova York. Nesse período, foi muito temido pelas autoridades, pois o governo receava o uso para envenenamento de homens rs.
O batom vermelho reintegra atualmente a representação da luta feminina, frente a uma sociedade ainda muito machista e controladora. Tirar o batom vermelho é não permitir que a mulher assuma seu poder, seu espaço, que vai muito além daquilo que nos foi dado, o espaço da sedução. Tenhamos sempre em mente que caráter promíscuo dado à figura feminina, foi uma forma de conter e inferiorizar a mulher. Ainda hoje, esse tipo de pensamento se faz presente. Justamente por isso que o vídeo da Jout Jout “Não tira o batom vermelho” fez tanto sucesso pelo Brasil.
Retomar os signos do poder feminino, junto ao efetivo direito de escolha, de autonomia e de igualdade, é algo necessário! E ainda é possível aplicar o vermelho em nossa vestimenta de modo coerente, harmônico e expressivo. Quer saber como? Continue me acompanhando por aqui!
Andresa M Caparroz